Criança que nasceu prematura (sistema imunológico frágil) necessitava do medicamento
Palivizumab (synagis, necessário para preveni-la de infecções respiratórias ocasionadas pelo Vírus Sincicial Respiratório (VSR) - que comumente ataca recém-nascidos.Como o medicamento não é disponibilizado pelo SUS, além do que, o valor do tratamento completo é demasiado caro, obteve-se sucesso em adquiri-lo através de mandado de segurança com pedido liminar, cujo acórdão dotado da motivação completa segue na íntegra: MANDADO DE SEGURANÇA Nº 773283-6, DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA
Impetrante: EMILLI VITÓRIA KOSOUSKI (Representada)
Impetrado: SECRETÁRIO DE SAÚDE DO ESTADO DO PARANÁ
Relator: Des. LEONEL CUNHA
Advogados: Dr. Rafael Ernani Cabral Brocher e Dr. Thiers Andregotti
EMENTA
1) DIREITO CONSTITUCIONAL. MEDICAMENTO. PALIVIZUMAB. PREVENÇÃO DE INFECÇÕES RESPIRATÓRIAS PELO VÍRUS SINCICIAL RESPIRATÓRIO (VSR). DEVER DO ESTADO. GARANTIA E EFETIVIDADE DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE.
a) O Poder Público tem o dever de fornecer medicamentos aos necessitados, assegurando o direito fundamental à saúde previsto na Constituição Federal (Artigos 6º e 196).
b) No caso dos autos, havendo solicitações médicas dando conta de que dado remédio é necessário para prevenir a Impetrante de infecções respiratórias pelo Vírus Sincicial Respiratório (VSR) no período de sazonalidade (maio a setembro), em razão do seu histórico de complicações pulmonares, o seu não fornecimento implica em violação a direito líquido e certo.
2) DIREITO PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. MEDICAMENTO. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA.
O Mandado de Segurança é instrumento processual adequado para assegurar o fornecimento de remédio cuja necessidade é suficientemente comprovada por laudos médicos, dispensando-se a dilação probatória inerente às vias ordinárias.
3) SEGURANÇA CONCEDIDA.
Vistos, RELATÓRIO
1) EMILLI VITÓRIA KOSOUSKI, menor impúbere, representada pelo seu genitor ANDERSON MARCOS KOSOUSKI, impetrou Mandado de Segurança em face do Senhor SECRETÁRIO DE SAÚDE DO ESTADO, a fim de obter o fornecimento gratuito do medicamento denominado Palivizumab (synagis) 15 mg/kg, necessário para preveni-la de infecções respiratórias pelo Vírus Sincicial Respiratório (VSR). Para tanto, alegou que: a) a Impetrante nasceu prematura de 28 (vinte e oito) semanas, não tendo alcançado a produção necessária da substância “surfactante”, motivo pelo qual teve que se submeter a um rigoroso tratamento hospitalar, tendo permanecido na UTI neonatal por 66 (sessenta e seis) dias; b) no período subsequente, apresentou quadro de bronquite viral grave, broncopneumonia e “sépse” (infecção geral grave causada por germes patogênicos), e, por essa razão, foi-lhe receitado o medicamento Palivizumab (synagis) na dose de 15 mg/kg, com aplicação mensal no período de sazonalidade (05 meses), conforme solicitações médicas juntadas aos autos, pois tal medicamento “tem como finalidade nutrir o organismo de um anticorpo humanizado específico para combater infecções respiratórias, especialmente àquelas desencadeadas pelo Vírus Sincicial Respiratório “VSR”” (fl. 05); c) cada dose do medicamento custa em média R$ 5.500,00 (cinco mil e quinhentos reais), ou seja, o tratamento totalizaria o valor de R$ 27.500,00 (vinte sete mil e quinhentos reais), quantia essa que não pode ser suportada pelo seu genitor, que é ajudante de fábrica e aufere salário mensal de R$ 860,00 (oitocentos e sessenta reais); d) o medicamento foi solicitado à Secretaria Municipal de Saúde, porém não obteve resposta até o momento.
2) O pedido liminar foi deferido (fls. 64/70), determinando-se que fosse fornecido à Impetrante o medicamento “Palivizumab (synagis) 15mg/kg, durante toda a duração do tratamento, ou seja, 01 (uma) dose mensal por cinco meses (05 doses), conforme solicitações médicas que instruem os autos.
3) O ESTADO DO PARANÁ requereu o seu ingresso na lide (fl. 80).
4) A Autoridade apontada como Coatora prestou informações (fls. 85/93), sustentando que: a) não é cabível o mandado de segurança no presente caso, pois apesar de constar dos autos receituário médico atestando a existência da doença e a indicação do tratamento solicitado, não se pode afirmar, com certeza, que tal opção é a mais correta, sendo necessário, para tanto, dilação probatória (perícia técnica para a verificação da real necessidade e utilidade da medicação receitada), o que é vedado pela via processual eleita; b) “a obrigação constitucional de proteção à saúde dar-se-á por meio de políticas econômicas e sociais que visem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário as ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação” (fls. 88/89); c) a negativa de fornecimento do remédio “deve-se ao estrito seguimento dos Protocolos criados pelo Ministério da Saúde, órgão tecnicamente capacitado e competente para a definição do tratamento mais adequado a dada enfermidade, mormente por se pautar em pesquisas mundialmente reconhecidas e tendências cientificamente comprovadas” (fl. 91); d) o uso livre e arbitrário de medicamentos baseados em uma única indicação de cada profissional da área médica, ainda que na maioria das vezes cientificamente correta, permite o surgimento de resistência bacteriana de determinadas patologias; e) o remédio solicitado, apesar de ser registrado na ANVISA e de ter, portanto, a sua comercialização autorizada, não faz parte dos medicamentos gerenciados pelo Centro de Medicamentos do Paraná – CEMEPAR; f) inexiste negativa ou omissão no fornecimento do remédio postulado, o que torna ausente o ato arbitrário ou ilegal a ser corrigido por mandado de segurança; g) é preciso que os procedimentos e a política de saúde do Ministério da Saúde autorizem o fornecimento do remédio, conforme posologia prescrita à Impetrante.
Requereu a dilação de prazo (30 dias) para o efetivo cumprimento da decisão que deferiu a liminar, a fim de que o Centro de Medicamentos do Paraná/SESA possa fazer a aquisição do remédio. Postulou a revogação da liminar e, ao final, a denegação da segurança.
5) A SECRETÁRIA DE SAÚDE DO ESTADO requereu o aditamento das informações já prestadas (fl. 96), informando que já está disponibilizando o medicamento solicitado pela Impetrante na Farmácia da 2ª Regional de Saúde de Curitiba, a qual entrará em contato com o genitor da paciente ou seu advogado para que
possam efetuar a retirada do remédio (fls. 97/100).
É o relatório.
FUNDAMENTAÇÃO
A Impetrante tem razão.
Conforme solicitações médicas juntadas aos autos (fls. 42/43 e fl. 44), a Impetrante nasceu prematura de 28 (vinte e oito) semanas de idade, tendo já apresentado quadro de “distress respiratório” (“Doença da Membrana Hialina”), feito uso de “surfactente, sepse, e evoluiu com broncodisplasia e necessidade de UTI neonatal durante 66 dias” (fl. 44), e, ainda, apresentado “quadro de bronquiolite importante, e broncopneumonia fevereiro de 2011” (fl. 42). Constam das referidas solicitações médicas a necessidade do medicamento no período da sazonalidade do Vírus Sincicial Respiratório (VSR), que vai de maio a setembro, a fim de prevenir a Impetrante de infecções respiratórias, tendo em vista o quadro de complicações pulmonares já apresentados pela paciente, e, ainda, a quantidade necessária (05 doses).
A informação constante na fl. 56 demonstra o alto custo do remédio, ao passo que o Recibo de Pagamento de Salário do genitor da Impetrante (fl. 50), ajudante de fábrica, demonstra a sua impossibilidade de arcar com os gastos do tratamento de sua filha.
O direito do paciente de ter acesso ao medicamento de que necessita está constitucionalmente garantido pelo artigo 196 da Constituição Federal, que dispõe: "A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Na qualidade de direito fundamental, ao direito à saúde deve ser conferido a mais ampla e irrestrita interpretação.
Não se pode olvidar que, conforme prevê o § 1º do artigo 5º do texto constitucional, os direitos fundamentais são de aplicação imediata e não mera lista de objetivos a serem atingidos, impondo ao Poder Público um dever, e não uma faculdade.
Nesse sentido: “A saúde é direito social do cidadão e dever do estado que deve assegurá-la com o fornecimento de medicamentos indispensáveis ao tratamento de doença” (TJPR. Agravo de Instrumento nº 164166-9. Rel. Juiz Designado ESPEDITOREIS DO AMARAL, DJ 24/03/2006).
A propósito, o voto esclarecedor da Min. ELIANA CALMON, proferido no julgamento do RMS 17425/MG, DJ 22.11.2004, p. 293: “Esta corte tem reconhecido que os portadores de moléstias graves, que não tenham disponibilidade financeira de custear o seu tratamento, têm direito de receber gratuitamente do Estado os medicamentos de comprovada necessidade. Precedentes. 2- O direito à percepção de tais medicamentos decorre de garantias previstas na Constituição Federal, que vela pelo direito à vida (art. 5º, caput) e à saúde (art. 6º), competindo à União, Estados, Distrito Federal e Municípios o seu cuidado (art. 23, II), bem como a organização da Documento assinado digitalmente, conforme MP n.° 2.200-2/2001, Lei n.° 11.419/2006 e Resolução n.° 09/2008, do TJPR. seguridade social, garantindo a ‘universalidade da cobertura e do atendimento’ (art. 194, parágrafo único, I). 3- A Carta Magna também dispõe que “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação’ (art. 196), sendo que o ‘atendimento integral’ é uma diretriz constitucional das ações e serviços públicos de saúde (art. 198)” (sem destaque no original).
Tal posicionamento se mantém, sendo diversos os julgados posteriores no mesmo sentido, a exemplo do proferido no RMS 17449/MG, DJ 13.02.2006, p. 719, onde foi Relator o Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS: “Comprovado, através de relatório médico acostado aos autos, que a impetrante já fora submetida a outro tratamento convencional, sem êxito, não há como se negar o acesso a outro medicamento recomendado pelo especialista que a acompanha”.
No mesmo sentido, decisão da Ministra ELLEN GRACIE, que indeferiu o pedido de suspensão de liminar para fornecimento de remédio, requerido pelo Estado do Amazonas, consignando que: “Assim, no presente caso, atendo-me à hipossuficiência econômica da impetrante e de sua família, á enfermidade em questão, à inoperância de outras medicações já ministradas e à urgência do tratamento que requer a utilização do medicamento importado, em face dos pressupostos contidos no art. 4º da Lei 4.348/64, entendo que a interrupção do tratamento poderá ocasionar graves e irreparáveis danos à saúde e ao desenvolvimento da impetrante, ocorrendo, pois, o denominado perigo de dano inverso, o que faz demonstrar, em princípio, a plausabilidade jurídica da pretensão liminar deduzida no mandado de segurança em apreço.
Ressalte-se que a discussão e relação à competência para a execução de programas de saúde e de distribuição de medicamentos não pode se sobrepor ao direito à saúde, assegurado pelo art. 196 da Constituição da República, que obriga todas as esferas de Governo a atuarem de forma solidária” (DJU de 8.6.2007 e no sítio informativo@stf.gov.br).
Ademais, ao contrário do alegado pela Impetrada, não são os Protocolos criados pelo Ministério da Saúde os mais capacitados e competentes para a definição do melhor tratamento a dada enfermidade, mas, sim, os médicos responsáveis pelo acompanhamento da paciente, que são os quem têm melhores condições de averiguar as reais necessidades da Impetrante.
Por outro lado, é oportuno destacar que a hipossuficiência do genitor da Impetrante não foi questionada, estando também demonstrada a omissão da Secretaria Estadual de Saúde em fornecer o medicamento postulado pela paciente, já que, inclusive, foi solicitado por sua genitora intervenção do Ministério Público para obter o remédio (fl. 46), tendo apenas havido manifestação da 2ª Regional de Saúde, que encaminhou o Ofício nº 16/2011 à Promotora de Justiça responsável pelo caso, no qual apenas recomenda que a infante “seja encaminhada a um serviço de Pneumologia Infantil do SUS através da Unidade Básica de Saúde de seu município para uma avaliação e prescrição de conduta” (fl. 48)
Dessa forma, resta caracterizada violação a direito líquido e certo, qual seja, o direito à saúde.
A propósito, ressalte-se que
há
prova pré-constituída nos autos de que a utilização do medicamento “Palivizumab (synagis)” é necessária
para
prevenir a Impetrante
de infecções respiratórias no período de sazonalidade (maio a setembro), em razão do seu histórico de complicações pulmonares (Relatório Médico de fls. 30/31 e Receituários Médicos de fls. 33/37).
Igualmente, não há como se acolher a alegação de que a via mandamental eleita é inadequada ao bem da vida que se postula, pelo fato da comprovação do direito alegado pressupor dilação probatória por meio de prova pericial. Isso porque, este Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que a
solicitação médica é prova suficiente para comprovar a necessidade/utilidade do tratamento que se pleiteia, senão vejamos: "Ainda que haja uma política pública estruturada que culminou na organização do Sistema Único de Saúde-SUS, não há como negar a competência do médico que assiste à impetrante para fazer o diagnóstico de sua enfermidade e lhe receitar o remédio adequado, bem como, que o indeferimento do pleito de medicamento, feito ao órgão público, importa em ferir direito líquido e certo da impetrante, pois que a Lei Maior de nosso país impõe, a todos, o dever de assistência integral à saúde, inclusive ao Estado. Precedentes jurisprudenciais" (MS (Gr/C.Int-Cv) 0403700-5 - 4ª Câmara Cível em Composição Integral
- Relatora: Des.
ANNY MARY KUSS. DJ nº 7396, de 29/06/2007). Dessa forma, o não fornecimento do remédio considerado essencial à melhora do estado de saúde da paciente necessita de proteção que se pode dar pela via do Mandado de Segurança.
Assim, considerando que restou demonstrada a necessidade de determinado medicamento específico e a impossibilidade do genitor da Impetrante adquiri-lo com recursos próprios, deve ser concedida a ordem para o fornecimento gratuito do medicamento Palivizumab (synagis) 15mg/kg, levando-se em consideração que o direito à saúde é fundamental, merecendo a máxima efetividade.
ANTE O EXPOSTO, voto por que seja concedida a segurança, conforme determinado pela decisão liminar (a fim de que seja fornecido à Impetrante o medicamento Palivizumab (synagis) 15mg/kg, “durante toda a duração do tratamento, ou seja, 01 (uma) dose mensal por cinco meses (05 doses)”). Condeno o Estado doParaná no pagamento das custas processuais.
DECISÃO
ACORDAM os integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, em composição integral, por unanimidade de votos, em conceder a segurança.
CURITIBA, 07 de junho de 2011.
Desembargador LEONEL CUNHA
Relator
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